O conceito de conflito apresenta diferentes
perspetivas que têm evoluído ao longo do tempo. Tradicionalmente era
considerado como uma situação disfuncional que comportava efeitos nocivos para
os seus intervenientes, presentemente é compreendido como essencial para o
desenvolvimento pessoal e social dos alunos.
A identificação e análise das suas
principais causas e efeitos é de extrema importância para a adoção de
estratégias eficazes para a sua dissipação, enquanto causa de indisciplina e
violência.
O desenvolvimento de um conjunto de
competências nos alunos, por meio da Mediação
entre Pares,
poderá promover a resolução de conflitos, de uma forma construtiva, em
benefício de toda a comunidade escolar, e em específico nos alunos
envolvidos.
É com frequência que presenciamos, por
meio da comunicação social, a notícias que relatam episódios de indisciplina,
discriminação e violência, dentro e fora dos portões das escolas,
entre as quais têm sido destacadas:
“Diretores e pais
preocupados com violência nas escolas. Em 2016 foram contabilizadas mais de 100
agressões contra professores. Foram ainda apreendidas 17 armas a alunos dentro
das escolas.” (Rádio Comercial,
11-04-2017).
“Aspeto físico é uma das principais causas das agressões nas
escolas” (Sic Notícias,
31-03-2017).
O Professor Adelino Calado, diretor do Agrupamento de Escolas de Carcavelos, refere que "A escola não está preparada para gerir conflitos, mas tem que os gerir" (Sic Notícias, 08-02-2017).
Tal como refere o professor Adelino
Carvalho, na entrevista que concedeu à SIC Notícias, em 08 de Fevereiro de
2017, atualmente a educação já não vem de casa e o ensino da escola, uma vez
que os pais já não dispõem de tempo para dedicar aos seus filhos, competindo,
deste modo, à escola desempenhar o papel dos pais.
A escola é considerada como uma
organização educativa que tem como principais funções a instrução e a
socialização.
No domínio da instrução, a transmissão do
conhecimento básico, como a leitura, a escrita e o cálculo, assim como de um
conhecimento mais avançado, como a matemática, as ciências experimentais e as
tecnologias de informação e comunicação, essenciais para a preparação e
integração dos alunos no mercado de trabalho.
No campo da socialização, a educação para
a democracia, designadamente na transmissão de um conjunto de princípios e
valores, considerados como socialmente válidos que capacitem os alunos como
cidadãos ativos e participativos na sociedade em que estão inseridos.
Neste sentido, a escola representa um
contexto privilegiado para a resolução de conflitos, através da sua mediação,
dado que se trata de um espaço onde os alunos aprendem um conjunto de Saberes, como
o Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Viver juntos e Aprender a
Ser e onde se relacionam com os seus pares e passam uma parte significativa do
seu tempo.
Como já referido, o termo conflito
apresenta diversas perspetivas e definições, por este motivo é caraterizado
como um conceito nómada e polissémico, uma vez que é usado em diferentes
contextos e apresenta diferentes significações (Costa, 2003).
Waller (1932), citado por
Costa (2003), defende que o conflito está bem presente na relação pedagógica,
ainda que nem sempre seja imediatamente visível. A sua definição de conflito é
entendida como “um processo construtivo,
e cria tanto como destrói. E o conflito unifica tanto como divide; ele é um dos
principais fatores de coesão. As nossas relações mais significativas são muitas
vezes caracterizadas pela cooperação antagónica. O conflito preserva relações
que doutra forma seriam intoleráveis. O conflito, além disso, é um meio para a
paz. O conflito é parte essencial da dialética do desenvolvimento pessoal. Pode
argumentar-se que o conflito nas escolas é a característica da vida escolar que
melhor prepara os alunos para a vida fora da escola. O que nós precisamos nas
escolas não é de suprimir o conflito, mas de estabelecer uma forma mais
benéfica de conflito”.
Uma outra definição de
conflito é defendida por Neves & Ferreira (2001), citado por Costa (2003),
que o considera “como o processo de tomar
consciência da divergência existente entre as partes, traduzida em algum grau
de oposição ou incompatibilidade entre os objetivos das partes, ou da ameaça
dos interesses de uma das partes”.
Hoje em dia, o conflito está bastante presente nas organizações
escolares, nomeadamente, entre os alunos, e manifesta-se através de várias
formas como a oposição, incompatibilidade e o desacordo, que podem conduzir a
situações de indisciplina, discriminação e violência. Não obstante, o conflito
também pode ocorrer entre a comunidade escolar, especificamente entre:
•
Alunos e funcionários;
•
Alunos e órgãos de
gestão;
•
Professores e encarregados de
educação;
•
Orgãos da escola e
professores, considerados individualmente ou em grupos;
•
Escola e instituições da
comunidade;
•
Escola e/ou professores com a
administração.
Grave-Resendes (2004), defende que o
conflito pode ser um intrapessoal,
entre nós próprios, interpessoal,
entre dois indivíduos, intergrupal,
entre dois ou mais grupos que são maioritariamente os tipos de conflitos
existentes nas escolas e intragrupal,
dentro do mesmo grupo.
Uma das principais causas
de conflito está relacionada com o poder que os professores exercem sobre os
alunos. Afonso (1991), citado por Costa (2003), define poder como “a probabilidade de um ator impor a própria
vontade, dentro de uma relação social, ainda que contra toda a resistência e
qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade”.
Para além da autoridade legal e do saber
académico e pedagógico, o poder dos professores é assente nas seguintes
tipologias (Costa, 2003):
• Poder coercitivo - aplicação
ou ameaça de aplicação de sanções sociais (Rocha & Fernandes, 2008);
• Poder de recompensa -
distribuição de recompensas simbólicas: utilização de estímulos positivos pelo
uso sutil da linguagem e de símbolos (Ribeiro & Bregunci, 1984, citado por
Rocha & Fernandes, 2008);
• Poder normativo - recurso a
normas (morais, religiosas, jurídicas, profissionais, valores e ideologias),
Formosinho (1980), citado por Rocha & Fernandes (2008);
• Poder de especialista -
reconhecimento e valorização dos conhecimentos aprofundados de alguém num
determinado domínio (Ribeiro & Bregunci, 1984, citado por Rocha &
Fernandes, 2008);
• Poder referencial ou pessoal - ligado às características pessoais (Ribeiro &
Bregunci, 1984, citado por Rocha & Fernandes, 2008).
Os alunos, apesar de se encontrarem numa
situação de dominação, não são destituídos do poder, uma vez que a sua
principal fonte de poder é o grupo (Afonso, 1991, citado por Costa, 2003) que
pode ser utilizado de diferentes formas, como modo de resistência, seja pontual
ou sistemática (Costa, 2003).
Os encarregados de educação podem, igualmente,
representar um grandioso meio de resistência, sendo a resistência direta
utilizada em relação ao poder exercido pelos professores e a resistência indireta,
utilizada como o apoio que prestam à posição dos filhos. Este poder que é
conferido aos alunos está na base de muitos conflitos (Costa, 2003).
Costa (2003), refere que uma outra causa
do conflito diz respeito à “relação que
os professores estabelecem entre si, devido ao choque de perspetivas
educacionais e modos de participação diferenciados, de interesses e objetivos
muitas vezes divergentes” como consequência dos novos desafios a que estão
sujeitos, como a transformação da escola tradicional numa escola democrática, a
materialização do princípio da descentralização, a responsabilização e uma
escola cada vez mais exposta a poderes diferenciados e complexos (Costa, 2003),
para além dos desafios que lhes competem, enquanto professores no alcance do
sucesso dos alunos.
Apesar de o conflito ser comum entre todos
os intervenientes da comunidade escolar, é mais frequente entre os alunos.
Por conseguinte, os episódios de conflito
podem ser entendidos através de três estádios (Nascimento, 2003):
1. A emergência do conflito
(inclui o tópico e o início do conflito) – consiste no ato que causa o
conflito, o contexto ou a atividade que está em curso quando este ocorre e o
elemento humano que atua como seu instigador. As causas do conflito podem ser
variadas, como (Deutch, 1973, citado por Johnson & Johnson, 1996a, citado
por Nascimento, 2003):
• Controle
de recursos;
• Diferenças
nas preferências;
• Diferenças
nos valores e crenças;
• Diferenças
nos objetivos face à relação.
2. O processo do conflito (inclui a
intensidade e a resolução do conflito) – está relacionado com a reação ou
comportamento que é reproduzido como resposta ao conflito e à sua resolução.
Nesta dimensão devem ser considerados os seguintes fatores (Raffaelli, 1997,
citado por Nascimento, 2003):
•
A duração do conflito;
•
A trajetória do conflito;
•
A resposta emocional ao
conflito;
•
As estratégias de resolução de
conflitos.
Na tentativa da resolução de conflitos, os
alunos usam um ou mais dos seguintes procedimentos (Johnson & Johnson,
1996a, citado por Nascimento, 2003):
•
Pedido ao professor para que
intervenha;
• Tentativa de vencer a situação
conflituosa, forçando a outra parte a abdicar da sua posição;
• Abandono da situação e
distanciamento em relação ao interlocutor, deixando o conflito por resolver ou
em situação de impasse.
Alguns autores (Deutsch & Coleman,
2000, citado por Nascimento, 2003), referem seis novas dimensões que
caracterizam as respostas que os alunos manifestam face ao conflito:
1. Evitamento vs envolvimento
excessivo com o conflito;
2. Negociação difícil vs
negociação fácil;
3. Orientação por regras vs
orientação por preferências;
4. Resposta racional vs
resposta emocional;
5. Escalada de conflitos vs
redução dos conflitos;
6. Revelação compulsiva de informação vs ocultação compulsiva de informação.
3. O resultado do conflito (consequências)
– diz respeito às consequências finais do conflito, que podem compreender na
rutura ou na tentativa de restabelecimento da relação.
Nesta terceira fase, a resolução do
conflito é vista como uma oportunidade para desenvolver competências
relacionais mais sofisticadas, se a díade em conflito procurar restaurar a
relação, através da negociação e reconciliação (Nascimento, 2003).
A resolução de conflitos entre os alunos
requer, por parte dos professores e da comunidade escolar em geral, uma
intervenção eficaz, no sentido de antecipar situações problemáticas.
Contudo, o conflito poderá ter um efeito
positivo, considerando que se pode tornar numa experiência de crescimento e
desenvolvimento dos alunos e na relação que estabelecem com os seus pares e com
a escola.
Nascimento (2003),
defende que para a resolução do conflito não se devem aplicar medidas de
penalização aos alunos, mas sim transformar estes incidentes críticos num
projeto de formação pessoal e social dos alunos. A autora sublinha “Interessa, pois, perspetivar o conflito
como uma variável relacional, inerente à interação humana, que, embora, no
imediato, possa ter um efeito disruptivo a nível das relações interpessoais e
possa até afetar negativamente o clima sócio-afetivo da turma ou da escola, se
reveste de funcionalidade psicológica. Significa isso, que o conflito é uma
condição importante do desenvolvimento social dos indivíduos, porquanto as
exigências cognitivas e afectivo-emocionais que lhes coloca, funcionam como um
estímulo à diferenciação dos processos de funcionamento interpessoal e, por
conseguinte, promovem as competências sócio-cognitivas e de gestão emocional
que tornam o individuo mais capaz de estabelecer relações positivas com os
outros”.
Apresentando a escola um contexto ideal
para a gestão dos conflitos, importa transmitir algumas modalidades de
intervenção que poderão promover as competências dos professores e alunos, no
que respeita à gestão construtiva dos conflitos.
Os programas de resolução de conflitos em
contexto escolar podem enquadrar numa das seguintes categorias de abordagens
(Osopow, 1991, citado por Nascimento, 2003):
1. Orientadas para as competências – os alunos são ensinados a desenvolver competências sociais
e interpessoais, indispensáveis para a resolução construtiva dos conflitos.
Consistem em duas subcategorias:
• Os que se baseiam em curricula específicos – incorporando
princípios e competências de resolução de conflitos nos programas
educativos;
• Programas de mediação entre pares – através de uma
metodologia que acentua a ideia de autorresponsabilização e de autorregulação,
partindo do pressuposto de que quanto mais alunos assumirem a responsabilidade
pela regulação do seu e do comportamento dos seus pares, mais autónomos e
socialmente competentes eles se tornam.
2. Academicamente orientadas - os
alunos são treinados a desenvolver o pensamento crítico, através de
procedimentos intelectuais e competências cognitivas.
3. Mudança estrutural – alterar a
estrutura organizativa da escola no sentido de criar um contexto cooperativo de
gestão de conflitos.
Mediação entre Pares
De entre todas as modalidades de
intervenção apresentadas, a Mediação entre Pares revela-se como uma estratégia
eficaz na resolução dos conflitos que pode ser aplicada em contexto escolar.
Trata-se de um método de gestão/resolução de conflitos na
escola, praticado, desde a década 80, nos Estados Unidos, que destaca a
importância da aprendizagem, através da experiência, uma vez que possibilita o
contacto quotidiano dos alunos com situações interpessoais problemáticas que
são desafiantes para si, em termos das exigências cognitivas e emocionais que
lhes colocam.
Em Portugal, a Universidade Aberta foi
pioneira na disseminação da implementação deste método, nomeadamente, através
de um projeto-piloto, designado por GESPOSIT e coordenado pela Professora Lídia
Grave-Resendes.
O seu principal objetivo “consiste em utilizar o próprio conflito e
proporcionar, através da sua identificação da análise crítica e da comunicação
eficaz, aos alunos soluções numa perspetiva de ganhador-ganhador e não de
ganhador-perdedor” (Grave-Resendes, 2004).
A mediação é concretizada num ambiente
confidencial e realizada por um terceiro (mediador) que ajuda os colegas
envolvidos no conflito (litigantes) “a
exporem os seus próprios pontos de vista e a encontrarem a solução para o
conflito”, a fim de chegarem a um acordo comum (Grave-Resendes, 2004).
De acordo com Grave-Resendes (2004), para
a implementação do programa de Mediação entre Pares é fundamental que a escola
esteja recetiva à aplicação deste método.
O programa tem como
principais objetivos (Nascimento, 2003):
• Aumentar a comunicação entre
toda a comunidade escolar;
• Reduzir a violência, o
vandalismo escolar e o número de suspensões;
• Encorajar os alunos a resolver
os seus próprios problemas, por meio do desenvolvimento de competências de
escuta, pensamento critico, e de resolução de problemas;
• Ensinar formas de resolução
pacífica;
• Promover o interesse dos
alunos nas questões de resolução de conflitos.
O processo de
implementação passa pelas seguintes fases:
1.
Sensibilizar a comunidade
educativa;
2.
Formar os professores
voluntários;
3.
Abertura do concurso para
mediadores para os alunos interessados;
4.
Selecionar os mediadores;
5.
Formar os alunos
mediadores;
6.
Constituir os mediadores entre
pares;
7.
Abertura do gabinete de
mediação;
8.
Acompanhamento da mediação
(supervisão);
9.
Partilha de
informação/resultados.
A Mediação entre Pares
tem numerosas vantagens, entre as quais são destacadas (Nascimento, 2003):
· Os alunos envolvidos adquirem
as mesmas competências dos mediadores, e aprendem com a sua experiência, que os
conflitos podem ser resolvidos de forma não violenta;
· Os alunos tornam-se capazes de
abandonar formas obsoletas de pensamento e passam a raciocinar de forma mais
criativa e mais complexa acerca do conflito e de encontrar para ele soluções
mais construtivas;
· Os alunos que aprendem a
negociar e a mediar o conflito de terceiros têm uma vantagem desenvolvimental sobre
os que não fazem essa aprendizagem;
· Os alunos que aprendem as
competências de negociação adquirem, em regime de role-taking, competências diplomáticas que podem ser usadas, em
outros contextos, para além da sala de aula;
· Os alunos não sentem que a obediência
a certos padrões sociais de comportamento põe em causa a sua identificação com
o grupo de pares já que estes últimos são a fonte principal de moldagem e
de feedback corretivo.
Referências
Costa,
Maria Emília (2003). Gestão de Conflitos na Escola . Lisboa: Universidade
Aberta, ISBN 972674-369-9 - pág 195 a 290
Graves-Resendes,
Lídia (2004). “ O Direito à educação e a Educação dos Direitos”, in Educação e
Direitos Humanos, CNE
Nascimento,
I. (2003). “A dimensão interpessoal do conflito na escola”
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